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“História e memória dos vasqueiros de minha terra……”

“ HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS VASQUEIROS DE MINHA TERRA……”

A cidade de Valença do Piauí, resultante das primeiras agremiações populacionais da Capitania do Piauí, ainda conserva no seu contexto histórico cultural, manifestações oriundas de um período colonial, mesmo sofrendo transformações que o próprio tempo se encarrega de modificar, dependendo da situação sócio econômica e cultural de quem pratica. Se por um lado as atividades são realizadas pelos grupos abastados financeiramente, por outro, a prática da mesma modalidade é feita por pessoas anônimas conforme sua própria vontade ou maneira de ser, sendo que no cômputo geral, as manifestações culturais se imbricam e tornam-se referências para própria comunidade.

Em 20 de setembro de 1762, quando da instalação da vila pelo Governador da Capitania do Piauí, João Pereira Caldas, oficialmente um espaço territorial com mais de 12 mil km² que passou a denominar-se Valença. Ao longo dos tempos sua população procurou manter a prática de conhecimento daquilo que já existia e aos poucos se adaptando às atividades que eram inseridas, por uma população que por aqui chegava e fixava moradia.

Os estudiosos no assunto apresentam suas teorias sobre o processo de colonização da Capitania do Piauí, dando prioridade aos bandeirantes paulistas e de igual modo aos vaqueiros do São Francisco. Cada grupo aportando por aqui desenvolvia sua atividade conforme a pretensão almejada.

Em Valença, não foi diferente, “solo fértil, belas paisagens, rios perenes ou similares, que corriam à procura de outros rios maiores, cujo destino era o mar, através dos rios de grande porte (Poti e Parnaíba) especificamente na nossa região.

De imediato, o local se definia, confundia-se com um rio regional, alimentado por tantos outros. Era o Rio Sambito, que descia desde a Serra das Almas até a confluência no Poti, após receber seus afluentes mais caudalosos, São Nicolau, São Vicente, Berlengas e tantos outros de nomes locais, serviam de base para saciar a sede do gado das fazendas próximas.

Pe. Miguel de Carvalho, tão bem delineou ainda por volta dos anos 90 do século XVII, nome das fazendas, seus proprietários e quantidade de moradores da Capitania do Piauí, em cujo trabalho focalizou o espaço que hoje compreende o Território do Vale do Sambito.(Descrição do Sertão do Piauí- Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo – Junho/1993).

Assim, nessa região como em outras partes da Capitania do Piauí, ocorreu também a instalação de fazendas para criação de gado, sendo que cada espaço recebia uma denominação o que oportunizava o proprietário empregar suas normas escolhendo para condução dos trabalhos homens corajosos e que tivessem afinidade no trato com o gado, uma vez que não era qualquer um que podia desempenhar a função. Era preciso coragem, confiança e determinação.
Assim, aos moldes das demais capitanias nordestinas e das vilas que haviam sido instaladas na capitania do Piauí e outros aglomerados típicos, estavam os vaqueiros da Vila de Valença.

O tempo, nos proporciona um mergulho para escavar acontecimentos no longínquo passado, mas também, é capaz de ser presente quando se precisa emoldurar os fatos mais próximos, daí a utilização do recorte para mencionar de forma mais contemporânea fragmentos da “história e memória dos vaqueiros de minha terra”, mesmo sabendo que novas histórias poderão surgir, todavia o momento é dedicado a essas que serão relatadas.

Umas das referências de vaqueiro, vem da comunidade Riacho, pelo fundador da Fazenda, por nome Barnabé da Rocha Pita, que após ter trabalhado como vaqueiro por um espaço de cinco anos na Fazenda “Serra Negra”, resolveu cuidar de seu próprio gado no lugarejo que hoje recebe seu nome. Barnabé, fixou residência na localidade, constituiu e família(SILVA, 2010)

Segundo, Antonio Gomes de Freitas, no seu livro sobre os Inhamuns-CE(1972), “No município de Valença, no Piauí, ao dealbar do século, “corria” um novilho com fama de “apadrinhado”. Boi arisco, “espoletado”, que só vinha á bebida’ – um olho d’água num pé de serra “fechadíssima” – às horas mortas da noite e de três, vezes de quatro dias.
Dos Inhamuns, para pegar esse boi vieram Emídio, Manoel Lucas e Julião. Andaram mais de quarenta léguas, até que numa certa madrugada, o boi perde seu “padrinho” e os vaqueiros cearenses, conseguem capturá-lo.”
Para compor este trabalho, recorreu-se à Literatura de cordel, ou mesmo a memória de quem viu ou ouviu relatos do cotidiano de vaqueiros ou de “histórias de vaqueiros”

“ Este tipo de literatura ocupa um espaço de criação que deve ser per-
cebido em vários níveis: o simbólico, o artístico, o linguístico, o social,
o político, o econômico e, especialmente, o histórico.
Ao relatarem os acontecimentos de um determinado lugar num de-
terminado lugar num determinado período, os folhetos se transfor-
mam em memória, em registro e – por que não? – em documento.”
(GRILLO, 2006).

Nomes como do “Nêgo”, Luiz Tibério, da Fazenda “Alto Alegre”, retratado por Dr. Jeremias Pereira da Silva,(na década 50 séc-XX) sintetizavam sua importância, através de versos:

Viva o Luiz Tibério,
“Nêgo” alegre e “Nêgo” amigo,
Na defesa dos patrões
Nunca temeu o perigo
Quando corria no mato
Era um dos mais ligeiros
Foi sempre considerado
O rei dos reis dos vaqueiros
…………………………………………….

Duas coisas meus amigos
Não saem da mente sua
É o morro Buriti Seco
É a Serra da Tabua
O Alto Alegre entretanto
Tem três definições:
É a serra, o morro e o “nêgo”.
E mais tudo é ilusão

………………………………………..

Luiz Tibério, das moças
Estrela da madrugada
Cravo branco das meninas
Gosta muito de um sambada
Quando entra numa enfuca
As “nêgas” ficam malucas
Se matando de pancada.

Pelo teor dos versos, observa-se que “o vaqueiro Luiz Tibério” era da confiança dos proprietários da Fazenda(Alto Alegre) e também fazia sucesso entre as pretendentes. Fato este também relatado em conversa com um dos grandes nomes dos vaqueiros da contemporaneidade, Sr. Virgílio Rocha, hoje residente na cidade de Novo Oriente-PI, — “Era comum, após um dia de campo, à noitinha a vizinhança se reunir nos alpendres para conhecer os vaqueiros e lá “… as histórias, iam e vinham..) como diz o também vaqueiro, Leôncio Miguel, (comunidade – Comboieiro – Valença-PI) e todos emudeciam para ouvir,” Dalí saiam novas pretendentes, que encontravam viam nos vaqueiros, a valentia a coragem e a certeza do dever cumprido…

No final da década de quarenta (séc. XX), em Valença-PI, a Literatura de cordel, através de Rodrigues Júnior, nos aponta, a História do “Boi Serra Grande”, que foi encabojado pelo catimbozeiro “João Luzia” da comunidade Ovelha Morta, zona rural de Valença-PI.

“O Boi Serra Grande, era filho da vaca que era chamada de “feiticeira”.Recebeu esse nome porque no momento do seu nascimento, sua mãe, a vaca “preta”, teve complicações no parto daí ter sido assistida pelo “João Luzia”, um macumbeiro que residida no lugarejo “Ovelha Morta”, perto do “buraco da Nêga”, no caminho da Piaçaba, no caminho que vai dá no Rio Sambito”.
Assim retratou Rodrigues Júnior(1948)

Nascido ali nos “Calangos”
Muito perto daqui
Município de Valença
Estado do Piauí
Filho de vaca pé duro
Com um touro de sangue
Da serra do Cariri
………………………
E logo depois de um ano
Que o “bizerro” havia nascido
Reuniram dez vaqueiros
Cada qual mais destemido
P’ra pegar o barbatão
Mas houve tal confusão
Todo cálculo foi perdido
……………
Vários foram os vaqueiro de Valença, segundo Rodrigues Júnior, que lutaram para capturar “O Boi Serra Grande”. Nomes como: Caboquinho, João Celé, Zezinho Gomes, Maximiano Veríssimo, Francisco Cariolano, Zé Cícero do Barrocão, Vitalino, Petronílio, Erasmo da Silva rosa, Mamede Balbino.

As emboscadas foram em vão. Daí, recorrer aos vaqueiros da Fazenda Alegrete , hoje Elesbão Veloso-PI, para entrarem na empreitada de captura do referido “boi”.

Do Alegrete, vieram, as melhores referências: Jose Benedito, Jose Puba, Lourival, Raimundo Puba, e Júlio Simplício.
Rodrigues Júnior, se preocupou em mencionar o nome dos cavalos de alguns vaqueiros:
O cavalo de Mamede Balbino, se chamava “Marreca”, do Maximiano, “urubu”, do Vitalino, atendia por “Caititu”, do Zé Cicero, era “Caveira”, do do Zezinho, era “Passarinho”, do Erasmo Rosa, era “Tesouro”, do Caboquinho, era “Pingo de Ouro”, do João Celé, era “Gato Preto”, do Chico Cariolano, era “Só no Limpo”, do Petronilo, era “Pombo Branco”, do Zé Puba, era “Caro Custou”, do Julio Simplicio era “Correnteza”, do Raimundo Puba, era “Noite Escura”, do Jose Benedito, era “Retroz” e do Lourival, era “Teteu”.

Toda essa vaqueirama, tinha um objetivo “pegar o boi serra grande”.
Mais uma vez, Rodrigues Júnior, relata sobre o Boa Serra grande:
“Os Martins donos do boi
Tiveram que resolver
Mandar pegar “Serra Grande”
E ao Mamede vender
E reunião em “São Camilo”
Mesmo sem guardar sigilo
Vaqueiros de asbravecer
……………………………….
Depois de muitas lutas, o boi foi capturado. Os Martins, proprietários do boi, ordenaram que fosse colocado num cercado para ficar mais nutrido. Desistiram de vender para o Mamede, e chamaram o vaqueiro Antonio Né, lá da Lagoa do Sítio, para cuidar do Boi, sob o olhar cavernoso do João Luzia.

“Ordenaram que tratasse
Daquele boi de valor
Pra levar p’ro Ceará
Mostrar o povo de lá
Que temos boi corredor”

De igual forma, Rodrigues Junior, escreveu também a História do Boi Lavandeiro, cujo condutor das artimanhas de encabojamento ficou a cargo do Vaqueiro Alexandre, remanescente dos proprietários da Fazenda Salgada, nos limites com O Ceará.

O Boi Lavandeiro, bebia água no Rio Valentim, e teve uma História muito “endiabrada”, que poderá ser contada de outra vez. Sabe-se portanto, que o povo de Valença-PI e circunvizinhança, sempre faz alusão ao acontecimento.
Nos anos 80(séc. XX), Boi Lavandeiro, foi mencionado numa composição para uma dança parafolclórica, intitulada “Nêga do Cocó de Fogo”, alusão á personagem do reisado da Dona Pedrosa, por ocasião de umas comemorações festivas no Colégio Santo Antonio, em Valença-PI:
………………………………………….

O Rio Valentim, é uma perna do mar
Bebeu lavandeiro, o Boi mamgangá,
Mangangá, mangangou, e até mandingou
Somente “Tenório”, o feitiço acabou
(MAMBENGA,1987)
…………………………………………………..

A participação do vaqueiro, na História, do Território do Vale do rio Sambito, é bastante acentuada, precisa apenas, da dedicação de cada um para descobrir que a “História de um povo, não está apenas nos livros , mas também, nas informações vivas do cotidiano”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREITAS, Antonio Gomes de – Inhamuns (terra e homens) Editora Henriqueta Galeno
Fortaleza – 1972.
GRILLO, Maria Ângela de Faria – História em verso e reverso – Revista de História da Biblioteca Nacional – ano 2 – Nº 13 – outubro – 2006
JÚNIOR, Rodrigues, Boi Serra Grande de Valença do Piauí – Folheto de Cordel – 1948
SILVA, Suênia Marla de Gênesis Soares – “Aconteceu, não vi, mas me contaram assim…”- Microprojetos Mais Cultura – Gráfica e Editora Gadelha – Picos – PI – 2010.

ENTREVISTAS:
Sra. Emilia Pereira da Silva Nunes (versos do Dr. Jeremias Pereira da Silva
Sr. Jose Alberto Pereira da Silva

Valença do Piauí, 12/08/2012
Antonio Jose Mambenga

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