Aroazes – Devoção Mariana Trissecular
A hoje cidade de Aroazes é o lugar de fixação da mais antiga ação missionária cristã, do Piauí, já que a secular Viçosa de Vila Real de há muito se encontra sob a jurisdição civil e eclesiástica do vizinho Ceará.
Vem das décadas finais do século XVII a presença de padres, ali, antes mesmo de os “sertões do Piauí” conhecerem a sua primeira organização tipo paroquial e ainda sob o governo episcopal de Pernambuco. Criada a paróquia da Vitória (do Brejo da Mocha) em 1696-97, logo nas décadas seguintes, em seu vasto território, de norte a sul, foram erguidas várias capelanias e ermidas, todo aparato eclesial interagindo em meio à guerra ao gentio, não poucos padres assumindo o protagonismo da titularidade da terra e da criação de gado.
Entre essas capelanias de muito movimento tem-se a que vai se constituindo em referência no lugar da velha “Missão dos Aroazes”, chegando a ser uma espécie de “menina dos olhos” do ativo primeiro vigário da Vitória, padre Tomé de Carvalho. Tão relevante Aroazes, que será visitada em 1728 por ninguém menos que o governador e capitão general do Estado do Maranhão, João da Maia da Gama (correspondente hoje a um presidente da República desta parte norte do território nacional), o qual deixou relatada sua passagem, que é um dos primeiros documentos escritos entre os vários que possam existir relativos à história dessa cidade.
De seu relato – diligentemente transcrito pelo padre Cláudio Melo em seus estudos – anotou o general do Estado (relatando ao rei): “… e tem uma igreja de N. S.ª da Conceição que é dos Índios e da Missão, que está com Missionário e sujeita ao Vigário da Vila da Mocha, e os circunvizinhos costumam aqui fazer a festa de N. S.ª da Conceição com muita despesa de festas, comédias e comezainas, e o Reverendo Governador e Provisor do Bispado do Maranhão [Antonio Troyano], com diligência de algumas (sic), pretendia fazer aqui freguesia ou curato. (…).” A freguesia não foi, então, instituída pela oposição dos Índios e do próprio pároco Tomé, este por não querer dispensar os emolumentos dos moradores abastados de lá, sem os quais “não haverá quem faça a festa do Santíssimo Sacramento e despesas da Semana Santa” da matriz da Vitória – ainda no relato de Maia da Gama.
É anterior, mas está registrado o primeiro festejo da padroeira, no ano de 1716. Assim também, desde então, segundo nossa fonte claudiana, esse lugar e sua igreja é assistido por curas, a partir de 1739, canonicamente provisionados, daí a conclusão dos historiógrafos de que a freguesia de Aroazes fora criada por volta desse ano. Padre Cláudio Melo o afirma, e sua pesquisa é minuciosa. Mas ele mesmo formula e deixa várias questões em aberto sobre o ato oficial de criação dela.
Em 1742 visitou o Piauí o bispo do Maranhão, d. frei Manuel da Cruz, passando mais de um ano em terras piauienses, ocasião em que pôs em prática uma provisão régia de 20 de maio de 1740, com base na qual seriam criadas “de novo na freguesia da vila da Mocha mais duas freguesias com párocos colados, uma na ribeira da Gurgueia e outra no distrito da Caatinguinha”. Evidenciada a criação dessa “nova” freguesia e que seria sob a invocação de N. S. do Ó, no lugar da cidade de Valença de hoje em dia, e sendo o seu pároco colado, até o século XIX, o mesmo de N. S. da Conceição dos Aroazes (próxima uma da outra), há quem especule que não teriam existido as duas paróquias, mas apenas uma. Carece de ainda mais estudos.
Fato é que Aroazes permaneceu como vicararia colada por muito tempo, até que, em 1836, já por decisão da Assembleia Legislativa da Província do Piauí, foi transferida a sede da freguesia do lugar dos Aroazes para a sede da Vila de Valença, passando-se à dupla invocação de N. S. da Conceição, e do Ó, os vigários indo habitar a vila-sede.
Algo é inafastável nessa história: Aroazes é uma das primeiras comunidades marianas do Piauí. Da missão secular restaram poucos vestígios de cultura material – as ruínas da antiga capela, depois matriz – mas muito há radicado de sua história nas tradições da oralidade de seu povo. Nesse lugar missionário esteve o padre jesuíta – que atualmente se busca a beatificação – Gabriel Malagrida; dessa antiga paróquia desmembraram-se outras; vizinha a ela, de há muito, os católicos veneram a “Santa Cruz dos Milagres”, um relicário de fé do povo da região.
A paróquia de N. S. da Conceição, reorganizada em tempos recentes, já como parte da Arquidiocese de Teresina, pode ser tomada em sua historicidade identitária e de labor cristão de cerca de quinze gerações de aroazenses e considerada a continuidade da freguesia dos tempos de d. frei Manuel da Cruz.
Assim vista e tida pelos paroquianos deste tempo – que devem celebrar sua tão longa história –, notar-se-á cada vez mais o quanto a Igreja romana foi presente na formação social e política desta unidade histórica e cultural consagrada pelos séculos – Piauí –, denominação arrancada dos tons da fala das populações ancestrais e dizimadas.
O primeiro capelão de Aroazes foi o padre Miguel de Araújo Nogueira (1716-1726); o primeiro vigário colado, por provisão, foi o padre José das Neves (1740-1746); e o atual (2012) é o padre Francimilson Gonçalves de Holanda.
Antonio Fonseca dos Santos Neto
(Professor da UFPI e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e membro da Academia Piauiense de Letras, Cadeira 1).