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O vaqueiro, figura do Cristo pastor!

*Pe. Tony Batista

Nasci numa fazenda no interior de São Pedro do Piauí. Cresci vendo cenas que ainda hoje marcam minha vida, povoam minhas saudades, alimentam minha alma sertaneja, como a beleza do gado no pátio da casa grande, os chocalhos anunciando a chegada das vacas à tardinha para o curral, o berro dos bezerros famintos ao final do dia, o aboio cadenciado do vaqueiro a chamar o rebanho e, sobretudo, a resposta do gado ao chamado do seu vaqueiro.

Parece que ainda ouço, cada manhã, a fala do vaqueiro tirando o leite no curral, a meninada em festa na porteira e o copo de leite “mugido” para os pequenos. Que saudade!

No meio de todas essas lembranças trago gravada na alma a figura do vaqueiro. Hoje, vejo sua pessoa como uma bela imagem do Cristo, Bom Pastor. Aprendi a admirar esse homem simples, de gestos pacatos, cordial, decente. Lembro-me, com prazer, da sua elegância de porte, suas perneiras e gibão de couro, seu chapéu com barbicacho, suas sandálias com esporas, o chicote em punho! Sua virilidade estampada na coragem de enfrentar os mais difíceis obstáculos na caatinga, sertão ou zona de mata, mas, sobretudo, seu zelo pelo rebanho, sua capacidade de enfrentar intempéries e grotões para encontrar seu gado. Parece-me até que o vaqueiro sente com o seu rebanho, sabe das suas necessidades, entende a sua linguagem. Sem dúvida, mesmo sem uma consciência maior, o vaqueiro vive o que nos diz o evangelho sobre Jesus: Ele, o vaqueiro, conhece suas rezes e elas o conhecem. Ele chama cada uma pelo nome e elas escutam a sua voz. O vaqueiro é, sobretudo, um bom pastor!

Vivemos uma mudança de época. E a velocidade com que as coisas mudam é vertiginosa. Também neste bravo Nordeste e no nosso Piauí, tudo muda, às vezes para bem melhor, mas outras vezes as mudanças apagam as lembranças e nos tiram a memória. Assim acontece com o vaqueiro. Nossos jovens já não conhecem esta figura tão importante na nossa cultura e na formação também do nosso caráter. O vaqueiro é um homem forte, decidido, guerreiro do bem, audacioso e comprometido com a vida. É também um sofredor. Muitas vezes, o zeloso vaqueiro cuida do gado dos outros que nunca será o seu e, mesmo assim, é exemplar no seu cuidado. Ele é um forte, no sentido de enfrentar os perigos, as adversidades, a seca, as enchentes, e sempre otimista com suas histórias, um tanto exageradas e cheias de fantasias!

A figura do vaqueiro, homem do bem e imagem do Cristo Pastor, eu a vejo resgatada na Festa do Vaqueiro na fazenda Lagoa do Saco, da família Pereira. Alimenta a minha alma de prazer quando, ao raiar do dia, escuto o cântico dos vaqueiros trazendo, em procissão, seus padroeiros. Mais bonito ainda é ver de longe um mar de homens vestidos de couro, passos cadenciados num ritmo de fraternidade, todos procurando caminhar juntos, sem pressa, sem concorrência, sem vontade de passar na frente, mas irmanados, caminhando para o altar da eucaristia que, logo mais, será celebrada.

Encanta-me o momento de recebê-los como pastor no meio de pastores. Sinto nos seus olhos a grandeza de homens sofridos, mas alegres no espírito e dispostos a caminhar como verdadeiros irmãos.

Durante toda a celebração, os vaqueiros vivem com intensidade de amor o que celebram. Cantam com entusiasmo, vivem a beleza do encontro e o que mais chama a minha atenção é o momento da comunhão. Impressiona-me ver suas mãos calejadas, grossas, grandes, abertas com humildade para receber aquele pão tão pequenino, tão branco, tão frágil mas que na nossa fé é o próprio Senhor que se dá como alimento. Assim, eu penso que o vaqueiro é forte porque ele se confunde, na vida, com o Cristo, Bom Pastor.

*Vigário Geral da Arquidiocese de Teresina e pároco da Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Teresina – PI

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